Especialistas em tendências têm se debruçado para entender o legado que a pandemia deixará em nossos hábitos de consumo. A essa altura, muitas previsões já se tornaram realidade. Enquanto catalisador de tendências, vimos um cenário previsto para cinco anos se consolidar em menos de cinco meses.

Foi o caso dos modelos de negócio que conseguiram se adaptar ou se beneficiaram do isolamento, como e-commerce, serviços de delivery e teleatendimento. Quanto ao perfil de consumidor, também foi possível observar a tendência de comportamento que vem sendo chamada de “consumidores por convicção”. São as pessoas que escolhem, evitam ou boicotam uma marca com base em seu posicionamento sobre questões sociais.

“Além do produto ou serviço, o consumidor está procurando por empresas responsáveis. As marcas mais lembradas durante a pandemia são aquelas que fizeram algo além da sua área de negócio, como construir hospitais, fabricar álcool gel, fazer doações. É um consumidor que quer saber o que a empresa está devolvendo para a sociedade”, aponta o especialista em inovação, negócios e tendências Arthur Igreja.

Outra tendência incontornável é a digitalização do consumo. Dados do Kantar Ibope Media mostram que, no início da pandemia, os pagamentos online foram 243% maiores do que no mesmo período do ano anterior. Não apenas os millennials aumentaram seu consumo, como novos grupos foram inseridos no mundo digital. “Os millennials têm cada vez mais poder aquisitivo. Então, por um lado temos um público que já é muito digital e agora passa a ter mais presença econômica; por outro lado, quem tem mais grana, os baby boomers e outras gerações, passa a ser mais digital”, aponta Igreja.

Flexibilidade e agilidade

O resultado desse contato com o online impacta completamente o offline. Se enfrentar uma fila para pagar uma conta antes era considerado, em certa medida, normal, a agilidade do mundo virtual muda a percepção também fora das telas. Agilidade, inclusive, é uma das palavras frisadas pelo especialista em inovação e empreendedorismo Allan Costa para caracterizar os princípios que regem esse novo momento da economia. “Flexibilidade para se adaptar às novas circunstâncias e a velocidade para que esse processo de adaptação possa ser muito rápido”, explica Costa, cuja entrevista completa você confere ao final desta matéria.

Com base nas entrevistas com os dois especialistas, separamos alguns pontos cruciais para sua marca ficar de olho na hora de comunicar.

Coerência
As empresas serão cada vez mais cobradas para manter um discurso coerente com suas práticas. Com o poder das redes sociais, a reputação daquelas que não cumprirem com o que prometem corre sérios riscos. A transparência é a saída!
Humanização
Pessoas compram de pessoas. Investir em campanhas com foco nos bastidores, que comuniquem também sobre seus valores, além dos produtos e serviços, faz parte de um movimento de humanização da comunicação.
Visão ampliada
Uma comunicação efetiva é aquela que vai ao encontro da dor do público o que, às vezes, exige uma visão ampliada do consumidor.

Igreja usa como exemplo a campanha da marca de guitarras Fender. Diante da pandemia, a empresa deu um passo atrás para entender o que seu consumidor precisava naquele momento. A solução foi criar o Fender Play, um app que ensinava as pessoas a tocarem guitarras. Hoje, já ultrapassa a marca de 1 milhão de usuários. “O bonito dessa história é a capacidade que a empresa teve de enxergar que ela só iria vender instrumentos se ajudasse as pessoas a aprender. Isso é dar um passo para trás e realmente enxergar a pessoa”, aponta Igreja.

Entrevista

Temos falado que a pandemia é um catalisador de tendências. Quais mudanças de consumo você acredita que esse período despertou e não tem mais volta?

Allan Costa: Eu acho que a primeira que salta aos olhos de maneira mais enfática é o fato de que as pessoas aprenderam a consumir à distância. Eu sempre tenho falado da minha mãe. Ela tem 81 anos e nunca comprou algo sem ter saído de casa. Agora, durante a pandemia, ela aprendeu que pode comprar pelo telefone. E veja que nem estou falando de uma tecnologia muito sofisticada, ela não precisou usar a internet, ela não precisou usar um aplicativo. Ela simplesmente usou o telefone e aprendeu que podia fazer as compras que ela precisa fazer na farmácia e ser entregues em casa.

As pessoas passaram a digitalizar o seu consumo e essa sem dúvida nenhuma é uma tendência absolutamente irreversível.

E o contrário? Quais comportamentos foram desacelerados na pandemia, mas podem sofrer um efeito rebote?

É bacana a gente entender o que é o efeito rebote. Embora o comércio tradicional tenha enfrentado dificuldades, o que a gente percebe é que, ao contrário do que se acreditava, muitas empresas cresceram durante a pandemia. Por quê? Porque muitas pessoas que estavam completamente excluídas do grupo de consumo passaram a receber a ajuda do governo de R$ 600. E era uma parcela da população formada por pessoas que tipicamente precisam gastar aquilo que recebem, porque precisam consumir as coisas mais básicas. Isso causou uma explosão em alguns segmentos de consumo como, por exemplo, itens de construção civil básica. Ao ficar em casa, as pessoas começaram a perceber que o quarto precisava de uma pintura, que precisava trocar alguma coisa no banheiro, e foram às compras.

É por isso que é importante a gente entender essa ideia de rebote. Embora de um lado tenha crescido, o rebote disso virá em um processo de consumo mais seletivo. Durante a pandemia, as pessoas que perderam empregos, que tiveram dificuldades econômicas, elas passaram a avaliar melhor quais são suas reais necessidades de consumo e isso as tornou mais seletivas. E eu acredito que isso deva permanecer por um bom tempo, mesmo depois da pandemia. Isso vai ao encontro também de um processo de maior conscientização quanto ao consumismo desenfreado que nós vivenciávamos antes.

Além das tendências catalisadas e represadas, quais novidades você acredita que o cenário pós-pandemia trará?

Várias! Tem uma tendência que poucas pessoas estão percebendo e que eu acredito que vai criar muitas oportunidades. É o novo mercado de jovens solteiros e solteiras. Várias pesquisas estão mostrando que o número de divórcios na pandemia subiu assustadoramente. Isso vai criar um mercado consumidor de pessoas que passaram a viver sozinhas e precisam de produtos e serviços voltado para este grande público.

Outra tendência é o aumento nas oportunidades de ofertar experiências que ocupem o tempo das pessoas, como educação ou hobbies.

Por que isso aconteceu? Vou te dar um exemplo muito concreto. Tenho pessoas da minha equipe em São Paulo que demoram 3 horas no trânsito, entre ir e voltar do trabalho. E aí eu faço uma conta simples. Vamos imaginar que essa pessoa que demora 3 horas no trânsito vá trabalhar um dia por semana em casa. Se ela fizer isso, a vida dela ganha 3 horas úteis por semana que não existiam antes. Três horas por semana, 12 horas por mês, 144 horas por ano. Isso significa que uma única pessoa que passe a trabalhar uma vez por semana em casa, ganhou 144 horas úteis que não existiam antes na vida dela.

E o que ela vai fazer com essas 144 horas? Consumir. E consumir, predominantemente, serviços e experiências ligadas à ideia de entretenimento ou de ‘infotenimento’. Essa é uma expressão que vem do inglês infotainment, que é a educação associada ao entretenimento. Então são aulas de yoga, música, pintura, coisas desse tipo. Experiências que de alguma forma unem a distração com o aprendizado de uma nova habilidade.

Quais características você acredita que uma empresa precisa ter para sair na frente no cenário pós-pandemia?

Eu tenho ouvido falar muito sobre resiliência, mas eu não gosto dessa palavra. Resiliência é apanhar, levantar, continuar de frente, apanhar de novo e assim sucessivamente. Muito mais inteligente do que cair, levantar e continuar indo na mesma direção, é você, como empresa, ser flexível. Eu acho que essa é a palavra de ordem. Na verdade são duas: flexibilidade e agilidade. Vamos imaginar uma empresa que em janeiro teve um super planejamento superdetalhado. Aí chega março, vem a pandemia e aquele planejamento feito em janeiro não serve mais para nada. Por quê? Porque o mundo mudou, as condições se alteraram.

É muito difícil a gente prever o que vai perdurar dessas novas tendências de comportamento e como esse novo cenário de negócio vai ser depois da pandemia. Eu acredito que flexibilidade para se adaptar às novas circunstâncias e a velocidade para que esse processo de adaptação possa ser muito rápido são as duas características que vão determinar quem vai poder aproveitar essas grandes oportunidades que eu tenho certeza que vão surgir depois da pandemia.

Se o padrão de comportamento muda, a forma de comunicar também precisa mudar. O que você enxerga que precisa estar no centro da comunicação das empresas daqui para frente?

Para te dar essa resposta eu lanço mão de um raciocínio que uso muito quando falamos sobre inovação. Quando a gente fala de inovação, é muito comum falar sobre tendências. Só que a tendência é sempre um exercício de futurologia, quase que de adivinhação. Você faz apostas, às vezes elas dão certo, às vezes não. Isso é um exercício válido. Mas também é válido pensar em formas de melhorar, de inovar, nos aspectos que não mudam. Por mais que haja todas essas transformações, algumas coisas permanecem como sempre foram.

Por exemplo: você consegue imaginar o dia em que um cliente vai ligar para a empresa e dizer ‘eu adorei o seu produto, mas eu não gostei do preço. Ele foi muito barato’. Isso nunca vai acontecer. É uma realidade imutável. O cliente sempre vai preferir pagar um preço mais baixo. O cliente sempre vai preferir receber a sua mercadoria em um prazo mais curto. Ou seja, existem atributos no negócio que não mudam. Agora eu vou conectar com a pergunta que você me fez. O que as empresas têm que olhar no pós-pandemia para se comunicar melhor com os seus clientes? Para as coisa que não mudam. Às vezes, ao invés de fazer esse exercício de futurologia, é preciso entender o que o consumidor, hoje, mais precisa. Qual é a essência.

Ele precisa entender que você conhece a necessidade desse consumidor, que você está disposto a ouvir sua dor para ajudá-lo a resolver. E você precisa mostrar que o seu negócio não vai medir esforços para se adaptar rapidamente à nova necessidade, para que você possa ter longevidade nessa relação que você já tem ou que você está construindo com esse consumidor. É olhar para a essência: back to basics. Vamos olhar para as coisas mais elementares e vamos reforçar isso. Acho que é isso que vai fazer a diferença.

E o contrário? O que você acredita que não vai mais “colar” na comunicação das empresas com o público no pós-pandemia?

Tentar vender um castelo de cartas. Estamos às vésperas da Black Friday, que é uma data importante para o comércio. E estamos cansados de saber que em muitas situações, a Black Friday é uma enganação. A empresa comunica algo, mas quando você vai ver é tudo uma manobra. O preço aumentou antes para depois baixar. É isso que eu chamo de castelo de cartas. É você comunicar algo que o cliente não tangibiliza, que ele não percebe como um valor que você está entregando. Se a gente fosse olhar pelo outro lado, isso levaria à necessidade de muita coerência para a comunicação. Promessas que não são percebidas como entregues vão simplesmente aniquilar a reputação das empresas e tirá-las do jogo.

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