Empoderada principalmente pelo avanço das plataformas digitais, a voz do consumidor alcançou um timbre nunca antes ouvido. Deixou de se limitar às discussões nas redes sociais para fazer parte da realidade das empresas.

Tirando muitas companhias da zona de conforto, passou a exigir um posicionamento de marca ainda mais humano e coerente.

Com os desafios impostos pela pandemia, o comportamento do consumidor passou por mudanças e ganhou um viés fiscalizador. Para Andrea Greca Krueger, especialista em tendências e fundadora da BERLIN, a transformação digital e o estado de alerta constante são os principais impulsionadores desse movimento.

“A transformação digital empodera o consumidor pois lhe dá acesso inédito a informações e dados antes guardados a sete chaves. Com isso em mãos, ele pode agir e tomar decisões mais conscientes. O estado de alerta constante que a pandemia colocou a humanidade pode também ser considerado um gatilho dessa postura fiscalizadora. Não é raro ver nas redes denúncias de festas clandestinas, pessoas aglomeradas, sem máscaras e coisas do gênero. Essa fiscalização se dá do início ao fim através de meios digitais”.

Principais temas observados pelo consumidor hoje

Mais exigente em relação às empresas com as quais se relaciona, o consumidor não se limita a analisar produtos e serviços. Hoje, quer saber qual é o posicionamento de marca e como gera impacto no mundo.

Segundo a pesquisa Global Consumer Pulse, conduzida pela Accenture Strategy em 2019, 83% dos consumidores têm preferência por empresas que defendem propósitos alinhados aos seus valores de vida. E 79% deles desejam ver o posicionamento de marca sobre temas críticos como meio ambiente e política.

Mas existem ainda outros temas observados pelo consumidor hoje, segundo os especialistas entrevistados pelo De Olho No Mercado:

1. Sustentabilidade

Na visão da especialista em tendências, a sustentabilidade se tornou a maior exigência dos consumidores hoje.

“O consumidor colocou a sustentabilidade e seus desdobramentos mais contemporâneos (como economia regenerativa, novo minimalismo e produção local, por exemplo) no topo das exigências a meios de produção, marcas e empresas. Quem não for sustentável ou conseguir provar que é, está com os dias contados”, avalia Andrea.

2. Vulnerabilidade

Já em um âmbito mais humano, a pesquisadora destaca ainda a busca por soluções para lidar com a vulnerabilidade.

“A pandemia trouxe uma crescente percepção e aceitação da nossa própria vulnerabilidade, levando a um boom de procura por produtos e serviços que culminem em auto-realização, auto-ajuda e cura (healing). Se não for possível curar, que pelo menos ajudem a aliviar as agonias causadas pelas questões de saúde mental, tão em voga nos difíceis tempos que estamos enfrentando”.

3. Respeito e dignidade

Para Felipe Pereira, advogado do MLA – Miranda Lima Advogados, o respeito e a dignidade são demandas sociais que não poderão mais ser ignoradas pelas empresas.

“Em uma sociedade de consumo como a nossa, uma pessoa só se entende plenamente integrada à sociedade quando se sente tratada de forma respeitosa, digna e atenciosa, seja em um restaurante ou mesmo em um ambiente virtual. Esta modificação cultural, cada vez mais, encoraja as pessoas a exigirem este respeito e dignidade.”

A importância de ouvir a voz do consumidor

Com o empoderamento digital, consumidores cobram o posicionamento de marca das empresas e até mesmo boicotam aquelas que acabam trazendo discursos preconceituosos.

Para lidar com essas novas demandas, as marcas precisam saber da importância de ouvir a voz do consumidor. “A cultura do cancelamento é real. Mesmo que fugaz, um cancelamento pode deixar um legado negativo para uma marca durante muito tempo”, explica Andrea.

Pereira destaca que o posicionamento de marca pode impulsionar a visibilidade de qualquer empresa, mas que é preciso cautela ao gerir riscos e ganhos.

“Essa grande visibilidade cria a necessidade de empresas possuírem setores capazes de gerir uma situação de risco e ganho tão delicada. Isso porque o público atual consegue discernir empresas que tentam se utilizar de marketing e mídia para apenas aparentar serem defensoras de algum posicionamento. Nesse contexto, essa ‘boa imagem’ não será construída com uma simples matéria publicitária, mas sim com medidas que conjuguem comprometimento e condutas realizáveis”, avalia ele.

Repercussões jurídicas

O advogado explica ainda que as empresas devem se atentar às repercussões jurídicas que esse novo formato de comunicação pode resultar. O que inclui uma maior defesa dos direitos transindividuais, aqueles que não pertencem a uma pessoa só e sim a um grupo.

“Órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e demais entidades fiscalizadoras passarão a dar mais atenção a más condutas, que possam agredir a imagem e os sentimentos de grupos de pessoas, ajuizando demandas que envolvam tanto a retirada de eventual conteúdo inapropriado como o requerimento de indenizações por danos morais coletivos”, opina.

Como equilibrar a voz do consumidor e o posicionamento de marca em 6 dicas

Confira algumas dicas de como ouvir a voz do consumidor e manter um posicionamento de marca coerente para fazer gerar impacto positivo na sociedade e evitar prejuízos:

1. Seja verdadeiro ao conectar seu propósito de marca à realidade

Pereira destaca que as marcas devem ser claras e verdadeiras em seus posicionamentos para, assim, prevenir danos a direitos de terceiros. Para ele, elas jamais devem usar o posicionamento público com pressa ou descuido. “Embora seja possível se assumir e modificar posicionamentos equivocados, existe muito mais valor em se construir um posicionamento público com cuidado e atenção”, salienta o advogado.

O cuidado também passa pelos manifestos sobre propósito de marca, se estendendo por todos seus discursos e ações. “A maioria dos manifestos sobre propósito de marca são idealizados por agências externas e não pela empresa em si. Dessa forma, o discurso fica descolado da realidade do que é factível”, pontua Andrea.

2. Realize ações concretas e com resultados tangíveis

Para a especialista em tendências, é preciso bom senso e transparência para que o processo gere bons frutos não só para a marca, mas principalmente para a sociedade. “Não adianta mais falar, o consumidor fiscalizador que ver ações concretas e resultados tangíveis”, complementa.

3. Conheça as características e necessidades do consumidor, além de refletir sobre possíveis desdobramentos da mensagem

Sobre os discursos, Andrea é categórica ao afirmar que todo o cuidado é pouco ao observar com o que se fala e para quem se fala.

“É fundamental conhecer as características e expectativas do consumidor a quem a mensagem se dirige e refletir exaustivamente sobre todos os desdobramentos que podem acontecer. Na dúvida, muitas vezes é melhor ficar quieto. Aliás, ficar quieto sempre será melhor do que botar na rua discursos preconceituosos e que possam ser vistos como oportunistas. É preciso refletir e evitar agir por impulso”, sugere ela.

4. Tenha responsabilidade ao estabelecer relacionamento com o consumidor

“As pessoas se relacionam com as marcas como se fossem seres humanos. Há expectativas, crises, paixões, decepções e alegrias a serem gerenciadas. Mas, sobretudo, acho que o mais importante é estar preparado para responder rápido e ter estrutura e flexibilidade para resolver problemas imediatamente. O consumidor fiscalizador é exigente e não tem tempo a perder”, afirma Andrea.

5. Cumpra a lei e defenda os direitos do seu público

“Ser uma empresa efetivamente cumpridora da lei e defensora de direitos de seu público, em si, constituirá uma ‘boa imagem’, sólida e confiável”, defende Felipe.

6. Se possível, invista em consultoria e prevenção

“Uma análise consultiva prévia, que conceda a empresa uma capacidade de análise estratégica, sempre é aconselhável quando uma empresa decide engajar algum posicionamento específico, a fim de que o posicionamento desta empresa não seja ofensivo ou mesmo mal interpretado. O ditado mais vale prevenir do que remediar se aplica aqui”, conclui o advogado.

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Para especialistas, o avanço das redes sociais e o estado de alerta imposto pela pandemia tornaram a voz do consumidor ainda mais forte. Veja como alinhar seu posicionamento de marca a essa nova realidade.